Dos neurônios às mudanças climáticas, há uma ciência que está tentando compreender as conexões que regem o nosso mundo
Tecer uma rede é uma obra de arte. Tem a rede de pesca, a rede de
balanço, a rede de computadores, a rede de telefonia, a rede elétrica, a
rede de amigos no Facebook, a rede de neurônios… Há uma infinidade de
redes permeando nosso mundo e algumas constituídas por bilhões de
componentes. Mas o que existe em comum entre a rede que liga seus amigos
no Facebook e a que conecta seus neurônios?
Para responder essa pergunta, precisamos entender como os cientistas que
estudam esse tipo de fenômeno analisam as redes. Para começo de
conversa, eles transformariam cada pessoa no Facebook ou cada neurônio
no cérebro em um ponto. Não satisfeitos com essa nuvem de pontos, eles
também avaliariam as relações e conexões que existem entre cada pessoa
(são amigas ou não?) e também entre cada neurônio. A seguir,
representariam essas conexões por meio de retas. Imagine, agora, o
resultado deste trabalho. Perceba que, apesar das duas redes serem
realmente muito diferentes, suas estruturas serão muito parecidas.
O que os cientistas criam quando transformam redes em pontos no espaço e
os interligam por meio de retas é chamado, tecnicamente, de grafo. Um
grafo é um prato cheio para qualquer pesquisador, porque eles podem
extrair desse tipo de objeto matemático uma série de informações que, se
olhássemos para uma rede complexa de outra forma, seria humanamente
impossível analisar. Em um grafo, fica mais fácil identificar os pontos
que têm mais conexões e, portanto, são mais centrais naquela rede.
“Se você analisa um neurônio isoladamente, não consegue explicar a
memória, a consciência, nada disso. Você precisa olhar como eles estão
conectados, ou seja, o todo. Só assim podemos compreender como o nosso
cérebro funciona”, explica o professor Francisco Rodrigues, do
Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São
Carlos. Essa é outra característica que conecta a rede de seus amigos no
Facebook à rede de seus neurônios: eles não podem ser compreendidos de
forma isolada, mas somente em relação ao todo.
Redes Complexas
“O que acontece se eu tenho uma doença e uma parte dos meus neurônios
são eliminados? Qual a consequência do desmatamento na Amazônia para o
transporte de umidade ao Sudeste do Brasil? Precisamos de ferramentas
que nos respondam esse tipo de pergunta, que levem em consideração os
diversos agentes que interagem de forma complexa nesses sistemas,
formando redes”, acrescenta Elbert Macau, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Há cinco anos, Macau coordena, pelo lado brasileiro, o projeto Fenômenos
Dinâmicos em Redes Complexas, que une matemáticos, biólogos, cientistas
da computação, meteorologistas, físicos, engenheiros e químicos
provenientes de 10 diferentes instituições de pesquisa, sendo seis delas
do Brasil e quatro da Alemanha. Entre o fim de setembro e o início de
outubro, esses cientistas realizaram um evento no ICMC, a quarta edição
do ComplexNet – Workshop and School on Dynamics, Transport and Control
in Complex Networks. A iniciativa marcou o fim da primeira jornada do
projeto e o começo de um novo ciclo, que vai durar mais cinco anos.
Financiado conjuntamente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (Fapesp) e pela Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG), o
projeto temático já produziu bons resultados como vários artigos
publicados em revistas científicas de alto fator de impacto, como a
Nature, e promete ir além. Ao propiciar uma melhor compreensão sobre
diversos fenômenos, a iniciativa está ajudando a fortalecer um novo
campo do conhecimento, que pode gerar impactos relevantes na vida de
todos nós.
Esquizofrenia e epidemias
“O cérebro, o clima, as interações biológicas, as cidades, as redes
sociais, os terremotos… O que esses sistemas têm em comum? Você pode
representar a estrutura deles como um grafo e pode usar um mesmo
conjunto de ferramentas para resolver os diversos problemas que surgem
nesses contextos. Uma rede complexa nada mais é do que a estrutura de um
sistema complexo”, descreve Rodrigues.
As redes complexas têm ajudado o professor na identificação das
diferenças entre os cérebros de pessoas saudáveis e daquelas que
apresentam esquizofrenia, um transtorno mental que dificulta a distinção
entre as experiências reais e imaginárias, interfere no pensamento
lógico e tem causas ainda desconhecidas. “A partir de um scanner de
ressonância magnética, mapeamos o cérebro e analisamos os dados das
redes corticais. Quando a pessoa tem a doença, o cérebro é menos
organizado em determinadas regiões do que o de uma pessoa que não tem”,
relata Rodrigues. Para identificar essa desorganização cerebral, o
modelo matemático desenvolvido na pesquisa extrai e analisa 54
características das redes corticais e consegue identificar, com 80% de
precisão, qual ressonância pertence a um paciente que tem o distúrbio.
Agora, o próximo passo é aplicar o mesmo método para diagnosticar outros
tipos de transtornos como o autismo (Assista o video)
Na biologia, as redes complexas também têm sido empregadas para
construir mapas que ajudam a compreender as interações entre nossos
genes, as proteínas, os processos metabólicos e outros componentes
celulares.
Agora imagine o que acontece quando uma epidemia se propaga. Nesse caso,
também existe toda uma rede complexa que precisa ser melhor
compreendida pela humanidade para que possamos conter a disseminação de
uma doença contagiosa, por exemplo. “Nesse caso, entender os tempos
corretos de diagnóstico e isolamento é fundamental para a saúde da
população”, conta o professor Tiago Pereira, do ICMC. Ele coorientou a
pesquisa de doutorado do matemático alemão Stefan Ruschel, da
Universidade de Humboldt, em Berlim. Utilizando bases de dados da
Organização Mundial da Saúde sobre a gripe H1N1, os pesquisadores
estudaram como extinguir a doença. A população foi dividida em três
grupos: saudáveis, doentes e isolados. A partir de modelos matemáticos,
foi calculado o tempo ideal para identificação da doença bem como o
tempo de isolamento necessário para a cura (Assista ao video)
“O mais importante, nessas doenças, é o tempo de identificação. Se
você consegue rastrear todos os doentes em nove dias e curá-los ou
colocá-los em quarentena, a epidemia será controlada”, revela Ruschel.
“No caso da H1N1, depois de 30 dias não há mais chance de se controlar a
doença”, acrescenta o alemão. “O prazo de nove dias é economicamente
inviável porque você teria que diagnosticar muita gente em pouco tempo”,
pondera Tiago Pereira. Ele explica que, considerando-se a inviabilidade
desse diagnóstico em tão pouco tempo, passa a ser decisivo, para o
controle da epidemia, manter os doentes isolados no tempo ideal. “Se
você isolar a pessoa por um tempo ideal, a doença é extinta, mas se você
isolar a pessoa além desse tempo, a doença vai reaparecer”, conclui.
Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC
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